Capítulo 47 — Cartas para Fernando
O Telefone de Cris tocou, era a mãe dela chamando de volta para o quarto.
— Temos que ir, já perceberam que sumimos — Ela falou segurando a porta para sair, pegou na minha mão — vamos!
Eu tirei o cigarro da boca dela e dei pra ela, ela pegou e colocou na caixinha prateada enquanto saíamos.
— Você sabe que isso te faz um mal danado né? — Perguntei no caminho para o quarto
Cris pegou o biscoito que estava no sofá e continuou comendo
— Claro que sei, tudo faz mal, cigarro, bebida, açúcar tudo, mas eu não sou drogada — Ela deu ênfase na palavra \”Drogada\” como se falasse algo óbvio.
Entramos no quarto e Carla estava do outro lado da cama, atrás dela estava o tal do Jair, assim que me viu ela deu um passo à frente e ele saiu de trás dela. É óbvio que eu tinha um faro para esse tipo de coisa, e sabia que algo havia acontecido entre os dois e que eles queriam um revival.
O Médico começou a explicar o problema do pai dela, todos achavam que era um câncer, mas era algo relacionado à fraturas que ele teve anos atrás e não tratou direito, essas fraturas viraram algo mais grave.
O tratamento seria demorado e caro, mas até aí nada de surpresa ou de dificuldade. O Grupo de empreiteiras dele ganhava dinheiro suficiente para cem vidas.
Os três irmãos mais velhos de Carla eram sempre muito apressados e atribulados: Carlos, Cezar e Cristiano. Eles falaram comigo rápido e saíram. A Mãe de Carla também se chamava Carla, era uma coroa muito bonita baixa e muito parecida com a Carla no corpo e no rosto.
A Mãe e a irmão de Carla iriam embora e Carla ficaria com o pai essa noite, Carla mesmo insistiu em ficar. Como elas haviam vindo de Táxi e não dirigiam Carla insistiu para que eu as levasse embora.
Elas aceitaram e fomos até o carro, Dona Carla foi no banco da frente ao meu lado e Cristina foi no banco de trás, eu não tinha assunto com elas. Então fomos falando de coisas genérica sobre as Academias, estudos e tudo mais.
No meio do caminho Cristina falou
— Mãe, to com fome! — Cristina me cutucou — Ta com fome Fernando?
— Olha, eu comeria hein, já ta bem tarde mas da pra comer algo.
— Ah crianças, eu não vou, estou esgotada com esse negócio. Vou pra casa, vocês podem ir jantar em casa não temos nada.
Olhei pelo retrovisor e Cristina Sorriu
— Por mim tudo bem — Cristina falou para a mãe
— Pode ser — Completei — Estou sozinho mesmo
Era mentira, eu estava um pouco preocupado com a Gabi, antes de sair da academia eu tinha visto ela falando como tal do Fábio, o ex que deixou ela em depressão momentânea. Eu queria ir pra casa e encontrar a Gabi, mas essa seria uma oportunidade de ouro de entender o que estava acontecendo com a Cristina.
Deixamos Dona Carla em casa e Cristina pediu para eu esperar ou iria trocar de roupa pois estava se sentindo uma mendiga.
Quando voltou vestia um vestido preto cheio de detalhes a saia era composta de varias camadas com renda preta, o lápis em volta do seu olho era mais forte e o batom agora era preto.
Era uma gótica perfeita, quando entrou no carro eu fiquei olhando para ela, bonita, magra e gótica, sua pele era pálida, muito mais pálida que a de Carla e seus olhos azuis davam um ar brilhante ao seu rosto.
— Tem um Pub aqui perto — Cristina colocou o celular no holder do painel do Carro já com a Localização certa — Siga o caminho.
Ela colocou a mão no apoio de braço no meio do carro, eu deslizei minha mão para próximo da dela, precisava saber o que ela queria, precisava puxar papo. Ela tirou a mão e olhou para o lado oposto.
Fomos em silêncio até chegar no Pub, parei o carro em frente e saímos, na porta havia um segurança e ele nos informou que ninguém mais podia entrar pois já estava fechado.
Cristina ficou decepcionada, era inicio de madrugada de um dia de semana
— Cris, não vai ter quase nada aberto mesmo — Falei explicando pra ela
— É eu sei — Ela respondeu pesarosa e pensativa
— Eu tenho uma ideia, se você me permitir
— Se for pra matar a fome, eu to morrendo de fome.
Entramos no carro e fomos até um posto de gasolina que era bem movimentado aquele horario pois as pessoas ficavam conversando, bebendo e comendo em trailers que ficavam alí.
Chegamos no posto de gasolina
— Vem, vamos comprar comida e a gente para pra conversar.
Ela saiu do carro à contra gosto, compramos salgados, sanduíches, refrigerantes e sucos, na verdade era comida demais para duas pessoas. Fiz questão de pagar e não falar sobre o problema que ela estava falando
Entramos no carro novamente, coloquei em uma radio tradicional que toca apenas musicas românticas.
— Aff, que chato! — Ela falou e trocou a estação para uma estação de Rock — Uma musica agitada estava tocando — Ela bateu palma e riu da musica — Que conveniente!
Sha-la la la la-la la
Sha-la la la la-la la
— Essa eu conheço, a banda chama Mônaco né? — Perguntei tentando adivinhar a musica que estava tocando
A musica já tinha iniciado:
There is one thing that I would die for
[Há uma coisa pela qual eu morreria]
It’s when you say, \”My life is in your hands
[ É quando você diz \”minha vida está em suas mãos\” ]
— Sim, ouvi muito essa musica, ela é perfeita para a nossa situação! — Ela falou esbanjando sarcasmo
‘Cause when you’re near me, your love is all I need
[Porque quando você está perto de mim, o seu amor é tudo que preciso]
— Nossa situação? — Perguntei sem entender
Now I can’t imagine
[Agora eu não consigo imaginar]
— A musica fala o que você fez comigo — Sua expressão mudou para severa e ela girou o botão do rádio aumentando o volume para o máximo me encarando
— Que eu fiz? — Tentei perguntar sendo abafado pelo som
Ela então começou a cantar junto com a musica olhando nos meus olhos então vi seus olhos magoados encherem de lágrimas.
What do you want from me?
[O que você quer de mim?]
It’s not how it used to be
[Não é como costumava ser]
You’ve taken my life away
[Você tirou de mim a minha vida]
Ruining everything
[Arruinando tudo]
Abaixei a musica após o refrão
— O que eu quero de você? Como assim eu arruinei tudo? nada do que você está falado faz sentido pra mim
Ela limpava as lágrimas com cuidado para não borrar a maquiagem
— Olha, ou você não sabe mesmo ou você é um puta mentiroso.
ANOS ANTES
— Minha irmã Carla vai se casar, o noivo dela é o maior gato! — Falei para Sheila, na época a minha melhor amiga
— É, eu vi, ele é forte né? Alto — Sheila falou olhando para cima, sonhadora.
— Pode tirar o cavalo da chuva, eu ele primeiro! — Falei rindo
— Ele é da sua irmã, ele nem da bola pra você — Sheila falou desdenhando de mim
— Claro que dá! — Falei fazendo pensamento positivo, eu sabia que ele gostava da Carla e ela me mataria se soubesse que eu gostava dele.
Na época eu não sabia o que era amor platônico, mas agora me parece mais amor platônico mesmo.
— Cris, o casamento é no sábado, você disse que ia falar o que sente pra ele, você não vai falar?
— Eu vou, quero dizer, eu quero, mas não sei como
— Tem medo dele te rejeitar?
— Acho que ele não vai me rejeitar, ele gosta de mim também! — Falei fazendo pensamento positivo
— Por que você acha que ele gosta de você? — Sheila perguntou intrigada
— Ah, eu sei… Ele, ele tocou em mim! — Falei saudosistas
— Tocou em você? Onde? Na pepeca? — Sheila inclinou o tronco em minha direção interessada
— Não, claro que não. Ele pegou na minha cintura, e nos meus seios.
— Quando? — Sheila perguntou interessada
— Eu peguei a carteira dele e ele tentou pegar de mim — Falei triunfante — Eu até sentei no colo dele e senti o negócio dele durinho
— O que tava durinho? — Os olhos de Sheila estava arregalados
— O Negocio dele ué — Falei envergonhada
— O pau dele? — Sheila peguntou mordendo as unhas.
— É, isso — Falei desviando o olhar e arrumando a prateleira de discos
— E como é? — Sheila me perguntou mais interessada
— Eu não peguei e não vi, não sei, só sei que quando ele tentava pegar eu me esfreguei todinha nele, e ele ficou duro por causa de mim, vi num filme que quando os homens ficam assim é por que eles gostam da mulher.
— Eu também já vi sobre isso, e você ficou com a sua coisa coçando? — Sheila perguntou
— Fiquei, tem que ficar não? — Falei perguntando mas Sheila não tinha a resposta
Falamos mais sobre coisas triviais e eu fiquei pensando como iria falar com ele, como iria me declarar, então tive uma brilhante ideia, alguns dias antes do casamento eu escrevi uma carta, iria colocá-la na carteira dele e ele iria ler e me responder se queria algo ou não.
Peguei um papel de carta preto com caveirinhas e escrevi com minha caneta prateada, eu só usava ela para situações muito importantes, então a redigi o texto:
\”Oi Fê, aqui é a Cris.
Sei que você está para se casar com a Carla, mas peço que você não faça isso.
Desde o primeiro dia que eu te vi meu coração bateu forte por você, sempre que te vejo fico suada e ofegante, eu quero se sua namorada.
A Carla é minha irmã e eu gosto dela, as vezes ela é cruel comigo mas não é por isso que eu quero você, quero você só por que eu te amo, é isso mesmo eu te amo.
Já fiquei com outros meninos antes e sei o que é o amor, e com você é diferente, você me olha diferente, me trata diferente e adoro seu cheiro.
Responda essa carta e coloque a resposta no vaso de plantas que fica na porta do meu quarto.\”
Deixei na carteira dele pela manhã, e no fim da tarde quando voltei da aula e fui entrar no meu quarto vi a resposta, meu coração bateu forte. Olhei para um lado e para o outro e peguei o papel, Carla apareceu
— Tudo bem?
— Tudo bem sim — Respondi ansiosa para ler a carta
— Vou tomar um sorvete quer vir?
— Não, preciso estudar
— Estudar é? Ta bom — Carla falou e desceu as escadas
Corri para meu quarto e abri o papel.
Ele usou uma folha de caderno amarelada, grossa
\”Olá Cris, você sabe que eu vou casar com sua irmã e ela não aprovaria isso né.
Mas por que você acha que me ama, me fala mais sobre isso, quem sabe eu mudo de ideia\”
A mensagem era pequena e clara, EU TINHA UMA CHANCE.
Imediatamente peguei o papel e escrevi
\”Fê,
Lembra que uma vez eu peguei sua carteira e você tentou pegar ela de mim? Naquele dia eu me esfreguei em você como uma mulher e quando sentei no seu colo senti você com vontade de mim, por que você estava com seu negócio duro
Eu sei que você me quer mas não pode por que eu sou muito nova, me espera um pouquinho, ja ja eu fico maior de idade e a gente se casa!
Do seu amor, Cris
\”
Esperei ele chegar para levar a Carla pra sair e ver algo do casamento. Ele tinha mania de chegar e colocar as chaves do carro e a carteira na mesinha ao lado do telefone, corri e deixei o bilhete lá.
Sorri pra ele e ele sorriu simpático de volta, pude ver o amor por mim no seu olhar.
No dia seguinte, quando acordei vi novamente o bilhete na planta
\”Querida Cris,
Você está certa, o nome disso é tesão, eu tenho muito tesão em você. Apesar de você ser pequena e não ter bunda nem peito, imagino que em pouco tempo você vai ser tão ou mais gostosa quanto a Carla.
Eu também sinto algo por você, estou repensando seriamente meu casamento
Do seu amor, Fernando\”
Abracei a carta e me joguei na cama rindo, estava feliz, eu iria conseguir um namorado perfeito, lindo, cheiroso, fui para a escola aos pulos.
Na escola escrevi outro bilhete:
\”Fê, que bom que a gente está se falando assim, sempre quis ser sua, só sua. E eu sei que o nome disso é tesão, só tinha vergonha de falar.
Eu quero que você seja meu primeiro, meu primeiro homem, isso mesmo, estou falando de sexo!
Sempre sua, Cris
\”
Assim que cheguei ele estava na sala de casa falando com minha mão, me aproximei e dei-lhe um abraço apertado beijando seu pescoço, ele pareceu não entender mas acho que era por causa da minha mãe, ele não iria deixar transparecer na frente dela. Dei uma piscadinha pra ele e ele sorriu piscando de volta.
Na manhã seguinte, era o dia do casamento, havia um bilhete me esperando
\”Cris, meu amor.
Desisti de me casar com a Carla, mas vou fazer ela pagar por ser cruel com você.
Hoje no casamento, ela vai fazer o discurso e quando chegar a minha vez eu vou contar pra todo mundo que eu amo você, e que vou largar a Carla para ficar com você.
Vou pegar você em meu colo, te beijar e ser seu homem.
PS: Pegue aquela pulseira de cobra da sua irmã,o Oroboro que eu dei pra ela, quero que fique pra você, coloque ela no seu pulso durante a festa. Assim eu saberei que você é realmente minha.
PS2: Não me mande mais cartas, vamos nos falar quando eu te fazer mulher!
Te amo, Fernando\”
Eu ri como uma boba lendo a carta. Lembrei da pulseira que ele falou, era uma cobra mordendo o rabo, ele havia comprado em uma barraquinha dessas de rua e eu era alérgica ao material, achei que ele soubesse. Mas não tinha problema, eu iria enfrentar aquela alergia por ele, era apenas uma pequena dor a se aguentar para viver feliz pra sempre.
Eu corri ao shopping e comprei uma lingerie bem sensual, era preta com renda e era bem cara também.
Encontrei com Carla momentos antes da festa
— Nossa, você está bonita ein — Falou quando me viu — Parece que quem vai casar é você
Ela estava vestida de noite, estava simplesmente fantástica, eu queria ser tão linda quanto ela, fiquei imaginando que o Fernando apenas se apaixonou por ela por que não tinha me conhecido antes.
— Vai trazer algum namorado pra festa? — Ela me perguntou
— Não, não to namorando ainda! — Respondi misteriosa
— Ainda? — Ela riu — E quem você vai namorar?
— Não posso falar ainda, mas você vai ver — Falei isso e fiquei com pena dela, estava achando que iria se casar, estava linda e iludida.
— Ah fedelha, você é muito magrela, ninguém vai te querer — Carla falou rindo de mim. — Olha o tamanho desse nariz!
Meu sangue subiu e fiquei com ódio dela
— É, você vai ver essa noite — Falei e sai pisando duro.
Carla riu e voltou a falar com a amiga que a ajudava no quarto.
Saí dali e encontrei meus pais, fomos para a igreja. O Casamento foi bem feito e lindo, pisquei para Fernando na hora que ele entrou na igreja e ele sorriu e piscou de volta divertido. Meu coração quase pulou da boca, eu estava a momentos de ser feliz.
Então eles se casaram, eu fiquei esperando que ele iria dispensá-la ali no altar, mas pelo visto eu entendi errado, devia ser no discurso na festa. Era isso mesmo, era na festa.
Esperei a festa, estava feliz. Então chegou o tão esperado momento. O Discurso.
Carla falou, declarou seu amor por ele, todos aplaudiram e eu quase ri pois ela iria sofrer uma humilhação e ela iria pagar por sempre me chamar de magrela e de nariguda.
Então foia vez de Fernando falar, ele começou dizendo como amava ela, e como seriam felizes. Eu fiquei esperando ele dispensar ela e fiquei em pé de frente pra ele pra ele me ver logo e me tomar nos braços.
Mas algo deu errado, ele beijo-a, pegou-a no colo e saiu com ela no colo.
Carla falou algo para ele e apontou pra mim e ele riu.
Tudo ficou em silêncio, eu não entendi o que estava acontecendo. Eles passaram por mim e ele nem me olhou, não falou nada, sequer me notou.
Eu fiquei entorpecida, dormente, não sabia o que fazer
— Filha, você está bem? — Minha mãe perguntou — Você está toda inchada, tira esse negócio do braço sua alergia está atacada no máximo
Olhei para ela e apenas corri, corri o mais rápido que pude, tentei saltar para os céus correndo desesperada até que caí na grama do lado de fora.
Minha mãe veio atrás de mim
— Cris, o que houve?
Eu não conseguia responder, apenas chorava e chorava. Pedi pra ela me deixar em casa, e fiquei no meu quarto.
Os anos seguintes não foram fáceis para mim. Vi Carla e Fernando casados, cada vez mais felizes e prósperos, eu lia e relia as cartas dele e não entendia onde estava o problema.
Minha mãe me colocou em psicólogos e psiquiatras para eu me recuperar de algo que ela não sabia o que era.
Mudei meu estilo, passei a me identificar com o estilo gótico pois nele a tristeza me era mais agradável.
Meus seios não cresceram tanto, meu bumbum ganhou forma e eu fiquei magra mesmo, meu Nariz eu paguei para arrumar.
De volta ao carro
Cris havia contado sua história e pouco do que ela falava fazia sentido pra mim.
— Cristina, vamos lá — Respirei fundo enquanto ela tomava água e limpava as lágrimas. — Quando a gente brincou e eu peguei a carteira que você tomou de mim eu não fiquei excitado, segundos antes disso eu e sua irmã havíamos parado uma transa no meio e eu ainda estava daquele jeito. Naquela época eu não te via como mulher, você era uma menina! — Falei em tom de suplica
— Menina é? Você piscava pra mim sensualmente Fernando, que menina que nada — Ela falou colocando os pés no banco do carro
— Cris, você era uma menina linda, era simpática e fofa, quando você piscava pra mim eu piscava de volta por que eu queria ser seu amigo, seu Cunhadinho querido
O olhar dela pareceu perdido, a respiração dela ficou ofegante
— Mas e as cartas, você respondeu as cartas — Ela pegou a bolsa e tirou alguns papeis de dentro — Aqui, eu tenho a prova.
Estiquei a mão e peguei os papeis da mão dela, li todos e senti uma pontada no coração. Aquilo era maldade demais.
Ela me observava em silêncio. Quando percebeu que eu terminei de ler perguntou
— Por que você fez isso comigo Fernando, por que brincou assim comigo?
Dessa vez foram meus olhos que encheram de lágrima.
— Cris — Respondi limpando meu olho
— Agora você vai chorar é? Ta arrependido? — Ela falou gritando comigo — Advinha, Não da mais tempo! — Ela gritou mais alto
— Cris — Fiz uma pausa, precisava explicar de uma vez — Eu nunca vi essas cartas, essa letra não é minha, eu não sabia disso antes de hoje
Ela franziu a testa
— Vai mentir pra mim? — Ele ficou séria com os olhos arregalados
— Não, não vou — Me inclinei para cima dela e ela se inclinou na direção contrária, abri o porta luvas e peguei um caderno — Esse é meu caderno de ideias, toma olha
Dei pra ela, ela pegou desconfiada e abriu folheando
— O que tem? — Ela perguntou
— Essa é minha letra, é uma letra deitada para a direta por que eu sou canhoto e tem mais um detalhe
Ela tomou as folhas da minha mão e colocou lado a lado com as folha do caderno comparando
— Não, não, não, não pode ser! — Ela balançava a cabeça em negação — Não, não, não!
— Como sou canhoto sempre borro o testo pois minha mão passa na tinta fresca ou no lapis e deixa com um aspecto sujo.
Ela continuava olhando para os papéis, então os olhos azuis e agora avermelhados brilhavam e ela me olhou
— O que significa isso? — Ela me perguntou esperando por uma resposta
Eu pensei por um segundo e disse algo que automaticamente partiu meu coração e me fez chorar também
— Tudo indica que foi a Carla — Falei triste
— A Carla? — Ela olhou para um lado e para o outro e seu rosto se iluminou — Ela mandou eu colocar o Oroboro, ela sabia que eu era alérgica, ela falou na carta que eu era magrela, a letra é redondinha, ela riu de mim no casamento e ela sempre estava por perto quando peguei os bilhetes.
— Não sei por que, não faço ideia do por que ela fez isso.
— Nãããããããoooooo — Cris gritou no carro, nunca tinha visto um grito tão alto desse, durou mais de um minuto, parecia que ela ia arrebentar a garganta
— Cris, Cris, calma! — Agarrei ela e abracei — Calma, calma
Ela começou a chorar e se bater no rosto
— Idiota, idiota, sempre esteve claro, idiota!
Eu segurei ela e apareceram pessoas na porta do carro, abaixei o vidro e ela se abraçou em mim.
Expliquei por cima o que estava acontecendo, o homem que veio saber era o segurança, ele perguntou se ela estava bem e ela falou que sim e que era pra ele sair.
Fiquei mais de uma hora quieto com ela ali, até que ela quebrou o silêncio.
— Por que? — Ela sussurrou
— Não sei — Respondi, mas completei — Esse tempo todo, por que você não veio falar comigo? — Perguntei
— Eu tinha medo, você tinha me humilhado — ela fez uma pausa — não foi você, desculpa, você sempre foi doce comigo, eu devia ter achado estranho que você tenha feito isso, você não é cruel.
Ela soltou o abraço e arregaçou as mangas, vi então vários cortes no braço
— O que são essas coisas? — Perguntei preocupado
— Eu faço isso pra me sentir viva, não é pra morrer não, não se preocupe.
— Entendo.
— Eu quero falar com a Carla! — Ela falou limpando as lágrimas.
— Cris, fale com ela, mas não agora no hospital. Fale apenas vocês duas. E assim que vocês conversarem eu vou falar sozinho com ela.
Cris estava assustada e nervosa.
— Me leva pra casa, por favor, preciso pensar.
— Levo sim, mas com uma condição — Falei surpreendendo-a
— Que nós nunca mais paremos de nos falar, quero estreitar meus laços com você
Ela sorriu
— Obrigada, mas depois de eu falar com a sua esposa, eu duvido que ela vai querer me ver.
Eu sorri também
— Você ficaria surpresa se soubesse como eu posso ser persuasivo.
Ela me abraçou
— Desculpa, desculpa por desejar seu mau durante tantos anos, por querer que você morresse. Eu sempre te amei, nunca quis na de mau pra você.
Ela pegou meu rosto com as duas mãos e me beijou, retribuí o beijo, achei justo, não queria prolongar o sofrimento dela. Nos beijamos por vários minutos e eu disse
— Vamos, vou te levar pra casa, durma e me ligue amanhã para conversarmos.
Ela concordou…
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