Capítulo 101 — Casa 101
Flávia e os filhos jantaram sobre os olhares curiosos de todos, mais ainda de Fernanda que observava a confusão em silêncio
— Obrigada, eu nem conheço vocês e estou dando um trabalho do caralho! — Assim que falou colocou a mão na boca e tentou tampar os ouvidos das crianças como se seu movimento fosse mais rápido que a velocidade do som
Mari se aproximou solícita
— As crianças precisam de um banho também
Carla pegou as crianças pelas mãos
— Vamos, vamos tomar um banho quentinho
— Não, deixa que eu dou — Flávia se levantou e segurou as mãos das crianças
— Clama Flávia, eles não vão sumir, eu sou mãe também, sei como dar banho em uma criança
— Você é mãe? — Flávia perguntou surpresa — É do Fê? — A Pergunta foi expotânea e imediatamente veio seguida de um pedido de desculpas — Desculpe, é claro que é dele, vocês são casados.
— Sim, é dele — Carla puxou suavemente as crianças — Márcia, me ajuda aqui?
Márcia se direcionou para o quarto
— Ela é mãe também tá — Carla falou olhando para Flávia por cima do ombro enquanto ia para o seu próprio quarto levando as crianças pelas mãos
Flávia não disse nada, apenas acenou com a cabeça e deu um passo para trás, um vacilo, um cambaleio que fez Fernanda se levantar imediatamente
Fernanda andava devagar, sua barriga era grande e agora estava exposta
— Oi mamãe, eu não tinha te visto — Flávia falou parecendo um pouco grogue e esticando a mão.
Fernanda empurrou a mão dela e se aproximou colocando as mãos no rosto dela e fazendo os olhos se abrirem
Em seguida Fernanda ordenou:
— Mari, vai no quarto, na minha mala tem uma necessaire cor-de-rosa, trás aqui
Mari saiu em disparada
— O que você tem? — Fernanda perguntou examinando Flávia
— Tenho pobreza, é isso que eu tenho! — Flávia respondeu irritada — Qual é o seu nome e por que está colocando a mão em mim?
— Meu nome é Fernanda e eu sou médica — Fernanda respondeu de maneira dura enquanto pegava a necessaire trazida por Mari.
Abriu-a rapidamente e tirou de dentro uma fita preta quase translúcida, ergueu-a e colocou na testa de Flávia, a fita aderiu na hora, Flávia suava.
Esta por sua vez tentou impedir mas seus movimento pareciam lentos, cada vez mais afetada
— Cris, Mari, ajuda! — Fernanda chamou as duas e colocou as mãos no abdômen de Flavia que começava a cambalear — Ela vai desmaiar
Assim que Fernanda falou as pupilas de Flávia desapareceram e seus olhos se tornaram brancos, seu corpo ficou mole e pesado, Mari tentou sustentar de um lado mas Fernanda teve que ajudar, do outro lado Cris segurou-a sozinha.
— Pro sofá, rápido! — Fernanda orientou
A muito custo as três conseguiram levar Flávia, ela era magra mas parecia pesada demais para seu tamanho.
— Pessoas inconsciente são pesadas demais, ufa! — Cris reclamou
Fernanda tirou a fita da testa suada de Flávia
— Caralho, 39 graus, ela ta ardendo em febre, Peguem gelo, rápido, vamos resfriá-la — Fernanda pegou o controle remoto aumentou a potência do ar condicionado para o mais frio possível
E foi o que aconteceu, deitaram-na no sofá e começaram a passar gelo em seus braços, pernas, pescoço, rosto, pernas. Flávia estava vestindo uma camiseta e uma calça moletom largas, rapidamente deixaram-na só de calcinha e sutiã.
— Que magra né? Não parecia — Mari falou ao observar as costelas de Flávia saltando e os ossos da bacia parecendo querer rasgar a pele — Que peitão! — Cris e Fernanda pareciam não ouvir
Após alguns segundos Fernanda completou:
— É silicone — Falou quase num sussurro
Alguns minutos depois, Flávia abriu os olhos e levantou num pulo
— Cade minhas crianças?
Cris a segurou no sofá
— Estão saindo do banho — Cris falou solícita — Fique tranquila, você não está bem, estamos cuidado de você
Flavia deixou o corpo cair no sofá, parecia exausta
— Você usou alguma droga? — Fernanda perguntou séria
— Não! — Flávia respondeu parecendo se indignar
— Eu preciso saber antes de ministrar algum documento em você! — Fernanda foi incisiva
— Já disse que não — Flávia levantou a voz, mas em seguida abaixou o tom — Doutora.
Fernanda pegou o celular e ligou a luz, se aproximou de novo de Flávia e ela franziu os olhos, Fernanda iluminou seus olhos e disparou
— Você está anêmica! — Fernanda agarrou o pulso dela e olhou para o relógio suíço em seu pulso contando a pulsação, em seguida fez um sinal negativo com a cabeça — O que você tem?
— Sou diabética — Flávia respondeu
— E deixa eu adivinhar, não está comendo? — Fernanda disparou
— A prioridade é alimentar a turminha — Flávia falou enquanto se endireitava no sofá e começava a tremer— Nossa que frio, meu deus!
— Você está com febre, a tremedeira vai te aquecer — Fernanda falou puxando uma cadeira e sentando-se ao lado do sofá, pegando um comprimido e dando pra Flávia — Toma isso
Flávia pegou o comprimido e tomou com um gole de
— O que é? — Depois que engoliu perguntou
— Vai abaixar a sua Febre, você não está grávida não né? — Fernanda perguntou desconfiada
— Não, dois já está de bom tamanho
Cris se levantou e disparou
— É por que resolveu dar epidemia de grávida por aqui
— Pronto, está com soninho Carlinha? — Márcia passou com Carlinha no colo enrolada em um pijama grosso de algodão — Gente que frio.
Carla veio logo atrás com Fernandinho no colo, também enrolado em uma toalha e esfregando o cabelo dele para secar.
— O que aconteceu aqui? — Carla perguntou observando Flávia de Calcinha e sutiã
Parece que até o momento Flávia não havia se dado conta disso, assim que percebeu puxou um coberto para se cobrir, Fernanda puxou de volta:
— Não se esquenta, você tá com Febre!
— Tá — Carla respondeu devagar — Vamos colocar as ferinhas para dormir e já voltamos
— Deixa eu dar um beijinho de boa noite — Flávia chamou com as mãos
Carla e Márcia se aproximaram e levaram as crianças, Flávia as abraçou e as beijou dando boa noite e mandando eles não ficarem conversando e dormirem logo
— Você precisa se alimentar, se nutrir, está muito mal, você comeu a uns 30 minutos — Fernanda ajustou o alarme no telefone — Quando o alarme tocar você vai comer de novo.
Carla e Márcia voltaram, Carla parecia desconfiada.
— Você está bem Flávia? — Carla perguntou com a voz suave
— Agora sim, a Doutora cuidou de mim — Endireitou o corpo e tocou no ombro de Fernanda — Obrigada — Em seguida olhou para baixo — Ah é, você vai ser mamãe, primeiro filho?
Fernanda olhou para as meninas, parecia não querer responder
— Flávia — Carla chamou atenção dela — Desembucha, o que você está fazendo aqui com duas crianças, de mala e cuia a essa hora da noite?
— Você queria que eu esperasse até de manhã? — Flávia perguntou sarcástica
— Eu te conheço, sei que você veio aqui por que é sua última opção, não seja mal criada comigo — Carla apontou o dedo pra ela
Flavia fechou os olhos e respirou fundo
— Desculpa, eu não estou em posição de ser nada de mal, peço perdão — Flávia parecia magoada
— Flávia, eu não quero que você peça perdão ou se arrependa de nada, eu quero entender o que diabos está acontecendo por que amanhã cedo seu irmão vai entrar por essa porta e aí sim nós vamos ter um problema. — Carla apontou para a porta
— Ele continua controlador é? — Flávia perguntou — Enfim, acho que é um assunto particular né, podemos falar só nós duas — Flávia olhou em volta intimidada.
As meninas se entreolharam e voltaram a olhar para Carla.
— Não, o que você tiver para falar pode falar na frente delas, elas moram todas aqui e somos uma família, elas podem ouvir tudo
Flávia levantou as sobrancelhas e olhou para todas, notou que a Japonesa chamada Márcia estava muito próximo de Carla e agarrava seu braço, sua mente bolou mil teorias, mas nenhuma delas batia com o gênio difícil do irmão.
— Olha Carla, eu fiz tudo direitinho, fui uma pessoa direita como se deveria ser, arrumei um namorado, um marido e um trabalho
— Você faz videos né? — Mari interrompeu
— Sim, você já me viu? — Flavia perguntou animada
— Sim, gosto muito — Mari respondeu simpática
— Continue Flávia, já sabemos que você é Youtuber
— Tá, os videos estavam funcionando por um tempo, mas não dava para todas as despesas, casei com meu namorado e ele era meu produtor, então engravidei da Carlinha e as coisas ficaram difíceis, depois engravidei do Fernandinho e tanto meu marido como eu ganhávamos bastante dinheiro, chegamos a conclusão que iriamos poupar o dinheiro que ele ganhava e eu nos sustentaria.
Os olhos de Flávia ficaram marejados e uma lágrima caiu
— Calma — Fernanda interrompeu — Melhor parar, depois você fala, quando estiver melhor
— Não, eu consigo falar! — Flávia insistiu
Fernanda se levantou
— Vou fazer um lanche para você, fale devagar e respire fundo
— Obrigada — Flavia observou Fernanda levantar com a barriga grande de grávida — No começo do ano — Flávia continuou — Nós brigamos feio, e ele saiu de casa, foi para a casa da mãe e ficou uma semana lá. Eu o procurei para reatarmos e ele aceitou, veio para o nosso apartamento mas estava estranho. Na manhã seguinte eu fui levar as crianças na escola e fui no escritório do rapaz que editava os videos para nós e lá fiquei até o meio da tarde, era um programa corriqueiro. Quando cheguei em casa não tinha nada.
— Nada como? — Carla perguntou confusa
— Nada, ele levou tudo — Flávia disse — Equipamentos, TV, Geladeira, tudo, deixou só o colchão de casal
— Como assim? — Márcia se indignou
— É — Flávia chorou novamente
O Alarme do celular de Fernanda tocou e ela veio com um sanduíche caprichado
— Come devagar — Fernanda recomendou
— Não estou com tanta fome — Flávia respondeu
— Não interessa, empurra isso pra dentro devagar — Fernanda reclamou sentando-se onde estava
— E o que você fez? — Carla perguntou
— Tentei falar com ele mas ele sumiu, consegui falar com a mãe dele e ela disse que ele tinha viajado para os EUA que ia morar lá, e que se eu não conseguisse cuidar das crianças podia deixar com ela que ela cuidava. Achei muito estranho aquele papo e não deixei as crianças lá. A partir daí foi um verdadeiro caos. Eu não conseguia produzir videos de videogames, ele tinha levado tudo, eu tentei de algumas maneiras com meu celular mas a qualidade era ruim e eu comecei a perder publico, as series programadas estavam todas paralisadas eu não conseguia continuar
— Mas e o dinheiro dos videos? — Mari perguntou
— Continuava caindo mas caia na conta dele e eu não tinha acesso
— Puta que pariu — Cris exclamou — Que filho da puta
— Eu procurei um advogado mas de graça ninguém me ajudou, o rapaz dos videos no total me emprestou vinte mil reais e me deu um notebook velho para eu tentar trabalhar. — Flavia abaixou a cabeça — Mas eu não conseguia, eu fiquei com depressão, não estava conseguindo pagar a escola das crianças. Consegui sacar o dinheiro do cartão de credito passando na padaria perto de casa e implorando pra me ajudar. Vendi o notebook e numa ultima tentativa desesperada vendi o celular.
Carla coçou o cabelo
— Ai Flávia, que inferno, por que você não veio aqui antes
— Como eu podia vir aqui Carla me diz? — Flavia se exaltou
— Seu irmão não ia negar ajuda pra você, você sabe, ele jamais deixaria você morrer de fome
— Eu, eu…. — Flávia gaguejou, mordeu o lanche e continuou — Eu não queria vê-lo ainda estava magoado comigo, tenho certeza que ainda está
— Mas o que aconteceu? — Mari perguntou, mas foi interrompida por Carla
— Isso é coisa dos dois, deixa — Carla ponderou
— Obrigada Carla — Flavia agradeceu
— Então, você foi despejada? — Cris perguntou
— Sim, eu perdi o apartamento por falta de pagamento, estava comprando ele, tentei procurar o Fernando e Carla a todo custo — Ela mordeu o sanduíche e engoliu — É to com fome sim — completou de boca cheia, mas engoliu para continuar — Na semana passada ficamos na rua, e eu comecei a procurar onde dava e ontem a noite acabei chegando na academia do centro
— Sim, é nossa! — Carla exclamou
— Falei com uma atendente e ela não queria me dar muitas informações, falei que era irmã do Fernando e ela não acreditou, disse que não poderia me falar nada. Nessa altura eu não tinha mais documento, dinheiro nem nada
— E como estava fazendo com as crianças? — Márcia perguntou aflita
— Dormimos em abrigos, durante o dia eu levava eles na escola e ficava procurando emprego, mas ninguém da emprego pra uma mulher sem endereço fixo e sem documento
— Onde foram seus documentos? — Carla perguntou preocupada
— Roubaram de nós no abrigo, levaram um monte de coisa nossa. — Flávia falava e devorava ferozmente o sanduíche
— Devagar, come devagar — Fernanda advertiu
— E como você achou a gente? — Cris perguntou interessada
— Fiquei falando com os alunos sobre o dono da academia e um deles falou algo daquela atriz a Jessica Simons, falou que o Fernando era amigo dela. Então fui naquela Lan House popular e comecei a procurar sobre o assunto, e achei uma reportagem falando onde ela estava, nesse condomínio
— E mesmo sem saber onde estávamos o guarda deixou você entrar? — Carla perguntou
— Não, no Twitter falaram o numero da casa e tudo, aqui é fácil o numero é 101, a famosa Casa 101, aí foi fácil xavecar o cara da portaria — Ela falou e seu rosto corou
— Famosa? — Carla perguntou mais para si mesma do que para Flávia
— Você conseguiu se sustentar esse tempo todo com dinheiro emprestado? — Fernanda perguntou curiosa
Flávia respirou fundo, seus olhos se encheram de lágrimas
— Olha, eu tive que fazer coisas das quais não me orgulho pois ferem minha dignidade demais
As meninas se entreolharam e entenderam mais ou menos o que era.
Carla se levantou
— Ok, amanhã vai ser outro dia
— Mari, mostra pra ela o quarto? — Mari se levantou
— Sim, mostro.
Flávia se levantou com ajuda das meninas.
Fernanda fez algumas recomendações e todas a acompanharam até o quarto, ela encostou na cama e dormiu como uma pedra abraçada das suas crianças.
As meninas voltaram para a sala e refletiram sobre tudo, Fernanda estava preocupada pois teria que encarar Fernando também e não sabia como explicar o que estava acontecendo. Mari quis saber qual era o segredo dos dois mais Carla estava irredutível
— Se ele quiser ele fala, eu só sei uma parte, tenho uma ideia, ele nunca me falou exatamente o que aconteceu, só sei que se desentenderam depois da morte da mãe.
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