Capítulo 74 — Algo errado
— Ribeiro?
— Ribeiro?-
— Cris? — O Soldado Silva pegou em meu ombro me devolvendo à realidade
— Eu — Respondi
— Ta tudo bem? Você está distante hoje
— Ah, sei lá, acordei com uma sensação ruim sabe, como se soubesse que algo ruim vai acontecer.
— Credo, vira essa boca pra lá — Silva continuou limpando sua arma, estávamos em frente à uma escola municipal. — Como está sua mão? — Ele perguntou interessado
Silva era meu parceiro a alguns meses apenas, e ele discretamente e muito respeitosamente dava em cima de mim, eu sempre me esquivando, não achava legal ter nada com ninguém do trabalho e além do mais, ultimamente eu estava em uma vibe mais feminina, não masculina.
— Ainda não está boa — Segurei meu pulso direto e apertei, minha mão tremeu — Acho que vai demorar uns dias
Na semana anterior havíamos corrido atrás de um vagabundinho batedor de carteira e eu o segurei pelo pé, isso acabou deslocando meu pulso mas eu coloquei de volta no lugar, e não falei pra ninguém, eu não queria parar de trabalhar, estava tomando um medicamento para dor e deixando ele imóvel apenas para não piorar, segundo o médico particular que fui desse jeito eu ficaria boa em uns dois meses mas Silva não sabia disso, ele achava que o médico da corporação havia me dado alta e permissão para trabalhar.
— Estranho deixarem você trabalhar assim — Ele falou distraído
Dei de ombro.
Já faziam dois anos que eu fazia parte da corporação da Policia Militar do estado de São Paulo. Meu foco inicial era me tornar uma Policial Federal, como não havia concurso acabei me tornando PM e tomando gosto pelo trabalho, hoje duvido que uma profissão diferente me chamaria a atenção.
Era um dia tranquilo, os alunos sairiam em alguns minutos e nossa função ali era apenas observar e garantir que tudo ficasse bem com os alunos, e após a saída rondávamos a região apenas para ter certeza.
Terminando nosso trabalho do dia estávamos nos dirigindo até a corporação para devolver o veículo, tomar um bom banho e voltar para casa. Assim que entramos no prédio meu telefone tocou, era minha mãe.
Minha mãe, como uma socialite que era, sempre foi contra a minha entrada na PM, ela achava que ser policia era uma profissão apenas para ignorantes e brutos que não tinham opção na vida. Sempre que posso mostro pra ela que isso é uma visão errada e que há variados tipos de pessoas, etnias e classes sociais dentro da PM.
— Cris, sua irmã precisa da sua ajuda — Minha mãe disse assim que eu disse \”Alô\”
— Oi mãe, o que a Carla quer agora? — Perguntei entediada ignorando o tom urgente da minha mãe.
Carla, minha irmã mais velha era casado com o gostoso do Fernando, sempre que lembrava dela automaticamente eu me lembrava dele e sentia vergonha, ódio, raiva e amor. Era tudo muito conflitante para mim mas eu precisava aceitar, erguer a cabeça e passar por cima de tudo, até aquele momento eu havia mostrado que eu era superior e que realmente deixei o passado de lado, mas ainda doía bastante.
— O Fernando deixou ela aqui, tem gente tentando invadir a casa deles — Minha mãe falou desesperada
— Invadindo? Vocês estão bem? Aonde está o Fernando?
— Ele está lá olhando a casa. — Minha mãe respondeu
— Fala pra esse imbecíl sair de lá e ir pra delegacia mais próxima que eu já estou chegando
— Não filha, vem pra cá, por favor, estamos apavoradas, sua irmã está grávida.
Fechei os olhos, meu instinto era ir até onde Fernando estava e ajudá-lo, quem sabe pagar de heroína na frente dele, mas minha mãe e irmã estavam assustadas e meu pai não estava muito bem de saúde.
— Ta bom mãe, to indo praí.
Entrei no vestiário, tomei um banho rápido e saí voando em direção à minha casa.
Assim que entrei encontrei Carla sentada na sala mexendo no celular e digitando freneticamente, me sentei ao lado dela
— Tudo bem? — Fazia um certo tempo que eu não a via, e notei seu barrigão
Ela levantou a cabeça, estava com os olhos vermelhos, as bochechas também vermelhas, assim que me viu me abraçou
— Cris, Cris eles estão tentando entrar no Harém! — Falou no meu ouvido
— No Harém? — Perguntei mas em seguida me lembrei do lugar que eles viviam, era um antro de luxúria e sexo.
— O que aconteceu exatamente? — Perguntei, precisava entender o que estava acontecendo — Fernando está em perigo
— Eu não sei se ele está em perigo — Carla falou e em seguida me contou tudo o que havia acontecido.
Assim que ela terminou de me contar Fernando ligou, disse que estava tudo certo e que podiamos voltar.
— Vamos, eu vou com você até lá, vamos ver se está certo mesmo, quero que ele me explique o que esta acontecendo.
— Você é policial né Mana, desculpa, te tirei do trabalho? — Carla falou, acho que estava se esforçando para ser gentil, algo que para mim era estranho
— Sim, eu sou Policia, obrigada por saber disso. E eu já estava vindo pra casa — Me levantei e a puxei, minha mãe e pai queriam vir juntos, mas eu não deixei, fiz eles ficarem.
Entramos no carro e fomos até a casa de Carla e Fernando ou \”O Harém\” como eles chamavam
— Carla — Perguntei enquanto nos aproximávamos — De quantos meses você está?
— Sete meses, por que? — Carla respondeu olhando no celular e digitando freneticamente
— Por nada.
Mais um silêncio aterrador enquanto eu dirigia
— O Fernando transa com todas aquelas mulheres? — Isso saiu da minha boca sem sequer eu pensar, eu jamais quis perguntar aquilo, foi algo descontrolado e totalmente inesperado de mim — Desculpa, não é da minha conta
Carla ergueu a cabeça e olhou pra mim, um sorriso que me pareceu sincero surgiu nos lábios dela
— Você quer participar né? — Ela perguntou me respondendo
Eu fiquei totalmente sem graça, envergonhada e gaguejei
— Não, não, não é isso, é que eu, eu, é…bem… — Não sabia o que dizer
— Cris, faz tempo que não ficamos a sós, é o seguinte, eu tenho sido uma péssima pessoa sabe. Eu quero ser melhor, sei lá, não quero meu filho num mundo onde a mãe dele é odiada por alguém, você é a tia dele, quero você presente, quero que você passe essa sua força pra ele
— Ele? É um menino? — Falei sorrindo
— Não sabemos ainda, vamos deixar pra ultima hora
— Entendi — Respondi prestando atenção na rua
— Mas o que eu quero falar é que eu quero seu perdão — Carla falou tocando minha perna
— Perdão do que? — Eu sabia do que ela estava falando
— Perdão por ter sido uma péssima irmã, péssima pessoa, péssima amiga, péssima tudo.
— Você não foi tão ruim assim — Disse tentando amenizar a situação
— Eu sou sim Cris — Carla estava emocionada — Eu vou tentar remediar isso, vou tentar ser melhor pra você, vou tentar acertar isso, eu juro
— Não precisa Carla, eu não guardo rancor — Falei isso mas meus olhos encheram de lágrima, mas eu era durona, não podia demonstrar fraqueza.
— Só me da uma chance tá, nada do que passou vai ser revertido, mas vou fazer coisas melhores para tentar sobrepor, se você deixar
Ela falou isso e ficou me olhando, eu não falei nada e ela perguntou
— Deixa? — Carla me olhava procurando meus olhos
— Eu não tenho escolha Carla, você é minha irmã e vai me atazanar se eu não deixar — Falei sorrindo
Ela sorriu também
— Obrigada, não vou te decepcionar, me perdoa tá.
— Ta tudo bem, de verdade.
Assim que terminei de falar ela apertou minha perna e chegamos na frente da casa, ela pegou um controle dentro da bolsa e apertou o botão, o portão se abriu e entramos.
Dentro casa já estava cheio, Fernando e varias pessoas, um homem moreno alto e a Marjorie, linda como sempre exalando sensualidade. Assim que ela me viu vi seu sorriso de canto de rosto e vi também o puxão forte que a namorada dela, a tal da Fernanda deu nela. Cumprimentei todos.
Fernando era um homem forte e em forma, mas quele outro rapaz o Rodrigo era maior, negro, largo e claramente um homem treinado em artes militares. Em um bate papo rapido com ele descobri que ele era um policial mas não dali, de outro país, um país na Africa que eu esqueci o nome, ele era filho de embaixador igual a Paula, amiga da minha irmã e estava ficando uma temporada aqui no Brasil para resolver uns assuntos internacionais. Me senti bem de ter outro militar ou o mais próximo disso dentro daquela casa depois daquele incidente.
Conversei com Fernando, sempre cheiroso, ele estava com o cabelo desgrenhado, me explicou o que estava acontecendo, me comprometi a ir com ele na delegacia para fazermos o BO e explicar tudo. Falamos também de como melhorar a segurança de todas ali.
Eu estava me morrendo de fome quando uma menina magrinha junto com o namorado, o nome dela é Gabriela se não me engano falou que ia comprar comida para todos, ela anotou algumas coisas no celular, preferencias e pegou na mão do namorado para ir comprar.
— Carla, onde fica a cozinha, quero água, estou com sede.
— Ali — Carla apontou para um canto da parede.
Havia um corredor que era de difícil visibilidade mas de dentro dele se via quase tudo na sala.
Entrei, peguei um copo, enchi de água e dei um gole.
Ouvi uma gritaria, eram vozes masculinas, desconhecidas, um burburinho e as meninas gritando.
Peguei a câmera do meu celular e coloquei no canto da parede, consegui ver a cena, eram três homens orientais, vestindo Jeans e jaqueta de Couro, pareciam os Bad Boys Clássicos de filmes.
Eles agitavam as armas e gritavam.
Do meu ponto de vista eu conseguia ver um deles completamente, o do meio pela metade e o terceiro apenas uma parte da mão segurando o revólver.
Peguei o celular e mandei mensagem para o Silva, expliquei o que estava acontecendo, ele respondeu rápido, estava vindo ao meu encalço seguindo a localização GPS.
Apenas me restava aguardar eles chegarem, sozinha, sem angulo, sem visão e contra três eu não podia fazer nada. Fernando foi agredido e houveram agressões
Então, ouvi uma voz diferente, era o Rodrigo, ele apareceu e começou a conversar com os homens.
O Movimento dele fez os três avançarem e ficarem completamente no meu Angulo de visão.
Coloquei a mão para trás e peguei minha arma, conferi e haviam balas, no meu tornozelo haviam outros pentes, prontos para serem usados.
Então durante a conversa Rodrigo acabou se atracando com um dos orientais que eu supus ser o chefe, Fernando pegou o outro e o desmaiou em um mata leão.
Peguei minha arma e apontei para o terceiro homem, que se movimentava para um lado e para o outro e parou atrás Carla
— Ah não Irmã, sai da frente — Sussurrei pra mim mesma, ela estava literalmente na frente
Com um tiro a briga acabou, fiquei agitada, coloquei o corpo todo pra fora da porta apontando a arma pronta para atirar, mas ninguém me viu, vi que o tiro não havia sido letal, o oriental tomava a arma da Marjorie.
Voltei para a cozinha, uma situação dessa onde envolvia pessoas que eu amava e conhecidos era difícil pra mim, eu não era tão experiente assim.
O Oriental, tirou as balas da arma e colocou apenas uma, gritando e gesticulando enquanto anunciavam a chegada da policia. Eu fiquei tranquila, precisávamos apenas esperar para que tudo terminasse.
Então ele girou o tambor, colocou na barriga de Carla e apertou o gatilho, Carla deu um grito e segurou a barriga com as mãos.
Eu levei um choque na coluna, meu corpo tremeu, senti a adrenalina do meu corpo toda de uma vez. Eu só tinha que resolver aquilo, ele tinha um perfil de psicopata, ele não iria parar eu aprendi aquilo na academia.
Segurei a arma com força, ele conversava com Fernando ferido no chão, apareci na porta e ninguém me viu, segurei a arma com as duas mãos e vi Rodrigo todo ensanguentado no chão quase desmaiando.
O Psicopata oriental falava com Fernando, de costas pra mim, gesticulava e gritava. Levantou a arma, rodou o tambor e colocou na Cabeça de Carla.
Fechei os olhos e o tempo parou. Apertei a arma e minha mão tremeu e doeu
— Agora não! — Sussurrei — Agora não
Abri os olhos e vi ele se virando devagar para olhar para Carla, a arma encostada na cabeça dela, ela de olhos fechados e com as mãos na barriga.
O mundo estava em câmera lenta, nossos olhos se encontraram, ele fez uma cara de surpresa, vi seu rosto se contorcer, vi a tracejado da bala saindo do cano e indo direto pra cabeça dele, como se desenhada no ar por mágica, apertei os olhos e prendi a respiração e puxei o gatilho
BUM!
Vi o fogo sair da ponta do cano, recebi um impacto na cabeça e era como se eu tivesse saído do meu corpo, minha alma foi para dentro da bala e eu percorri todo o caminho, pareciam milhões de quilômetros em super velocidade, estava tudo em chamas senti o impacto acertando ele bem no meio dos olhos fazendo partes da cabeça dele serem espelhadas pela sala.
Meu corpo tremeu, eu estava de volta.
— Morre psicopata filho da puta! — Falei depois que ele caiu no chão.
Assim que o corpo dele caiu no chão eu vi Fernando deitado, sua perna quebrada e seu queixo solto, devia estar doendo.
Me aproximei e os policiais entraram na sala apontando armas para todos, assim que me viram eu mostrei a arma e o distintivo, mas nós já nos conhecíamos da corporação, eles me ignoraram e foram procurar pelo local
— Não tem mais ninguém! — Rodrigo bradou do chão.
Vi a namorada de Marjorie, a Fernanda atravessar a sala correndo, um policial tirou o homem de cima de Fernando e ela se aproximou, encostou na perna dele e fez uma cara de dor, mas puxou ele para se sentar
Me aproximei
— Relaxa, e fecha os olhos — Ela disse para ele
Fernanda colocou as mãos no maxilar de Fernando, colocou os polegares nos dentes dele na parte debaixo e puxou para fora, para cima e para dentro fazendo um barulho estalado que me arrepiou
Fernando Gritou e virou os olhos
— Pronto, pronto! Calma amor, vai ficar tudo certo agora.
Ela falou enquanto olhava os dentes dele que sangravam.
— Foi tudo superficial
Ela então deu atenção para a perna dele, mas eu me virei e fui procurar Carla, ela estava encostada na parede, Gabriela e Marjorie cuidavam dela, ela estava com a mão na barriga, parecia estar com dor, assim que me aproximei ela me chamou
— Cris, tem algo errado! — Ela falou
Achei engraçado ela falar isso pois nada daquilo havia sido típico.
Carla colocou uma mão dentro da calça e tirou, estava ensanguentada
— Ele te acertou? — Perguntei apavorada, eu não havia visto — Eu só contei dois tiros!
— Não, é o Bebê, me ajuda.— Ela falou se apoiando em mim
— Silva! — Gritei chamando meu amigo, ele apareceu rápido
— O que foi? — Perguntou olhando Carla
— Me ajuda levar minha irmã pro carro!
Ele pegou ela no colo e saiu, saí atrás, quando me virei vi Fernanda abaixada segurando a perna de Rodrigo. Entramos no meu carro e saímos do Harém, a rua estava cheia, haviam policia, helicópteros, pessoas mas nenhuma ambulância, corremos até o hospital.
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