É assim que eu me lembro 1 – Capítulo 17 – Epílogo
Seis anos se passaram até que eu conseguisse parar de pensar em Danielle, eu e Christiane paramos com as brincadeiras sexuais fora do casamento e me tornei realmente uma pessoa mais séria, mais velha e mais triste, meus cabelos ganharam diversos fios brancos, minha testa parecia estar permanentemente franzida, considero, por mais bizarro que isso possa parecer, a perda de memória de Danielle como a perda de uma filha, nesses anos tive poucas notícias de Daniel, soube que ele recuperou algumas coisas das memórias antigas, mas grande parte ele realmente estava reaprendendo, voltou a falar inglês fluente em poucos meses, se descobriu um roqueiro de carteirinha, descobriu também que Steve era um grande amigo e que nele poderia confiar, Steve me mandava notícias por e-mail, eu disse que não queria saber muito, queria manter a Dani que eu lembrava na minha memória.
Então Steve me falava coisas triviais como “Ela esta fazendo curso de informática”, “Ela
entrou na faculdade de medicina veterinária”, “ela voltou a falar inglês”, mas o que mais me surpreendeu foi “Estamos indo para o Brasil, chegaremos no próximo sábado, iremos Kátia, Dani e eu” nesse ponto eu já não sabia mais se ‘Dani’ era uma tratativa para homem ou para mulher, não importava, eu me lembrava dela exatamente como eu queria me lembrar.
Christiane ficou de busca-los no aeroporto, eu não queria ir, comprei um Boné preto com o símbolo de um jogo de Videogame, que achei bonito, embrulhei e mandei Christiane dar para Daniel. Momentos antes de ir ao Aeroporto, Christiane caiu da escada na sala de casa, seu pé inchou muito, quis leva-la ao hospital, mas ela não deixou, disse que não estava doendo, se não pisasse no chão, poderia ir ao aeroporto, a conclusão disso é que eu fui dirigindo e tive que ir buscá-los.
No aeroporto arrumei rápido uma cadeira de rodas e fui empurrar Christiane. Fazia muito tempo que eu não sentia medo, um medo infantil e irracional, sabe quando você está prestes a ver uma coisa que é inevitável e vai acontecer quer você queira quer não? Mas você tem esperança que não aconteça? Esse
era o meu sentimento, minha cabeça doía e meu estomago embrulhava me dando sensação de enjoo, meu mal estar foi tão grande que após o atraso do voo fui a um café tomar uma água com gás e deixei Christiane de cadeira de rodas para avistá-los e me chamar pelo celular, fiquei sentado lendo um panfleto e com uma garrafinha de água sem gás, acho que se passou uma meia hora mais ou menos e uma mulher se aproximou de mim, não dei atenção e ela perguntou “Essa cadeira está ocupada?” sem nem ao mesmo levantar a cabeça eu disse “Não está, pode pegar” e a mulher se sentou na minha mesa, achei estranho e levantei meu olhar para ela.
Reparei que ela usava uma roupa leve de alças brancas, com o sutiã branco também, aparecendo as alças, seus braços eram tatuados, e em seu peito uma enorme e linda águia de cabeça branca com as asas abertas, fiquei paralisado na imagem, lembrei-me de ter dito à Danielle que eu achava aquele bicho o animal mais lindo do universo, ao lado da Águia haviam duas letras e um “e” comercial entre elas, uma letra “D” e outra letra “R”, assim “D&R”, não tive vontade de olhar para seu rosto, fiquei analisando a
tatuagem, ela então moça colocou um celular na mesa e puxou o fone de ouvido e a musica tocou alto
Children don’t stop dancing [Crianças não parem de dançar] Believe you can fly [Acredite Você pode voar]
Away… away
[Para longe… bem longe]
Levantei os olhos para a mulher e vi seus cabelos vermelho caindo pelas costas e um grande óculos escuro, franzi mais a testa tentando reconhecer a pessoa, ela tirou os óculos e reconheci, era Danielle, estava mais velha, seu rosto tinha marcas diferentes, seu cabelo estava diferente, tinha um piercing na testa e outro no nariz, estava linda, a pele branca de seu rosto bem maquiado, estava diferente, mas era ela, eu a encarei abismado e ficamos nos olhando nos olhos por cerca de dez segundos, se dependesse de mim eu não abriria a boca e ela disse “Oi” eu demorei para entender e disse “Oi” ela disse séria “Tudo bem com você?” eu respondi atrapalhado “Sim, comigo tudo bem, e com você?” ela disse ainda séria “Tudo bem”, deu uma batidinha no celular e abaixou o volume
da musica que tocava e me perguntou “Por que sempre que ouço essa musica eu me sinto bem, fechos os olhos e vejo você?” abaixei o olhar e fixei no celular, comecei a falar “Olha eu…” ela me interrompeu “Por que quando eu durmo, sempre sonho com você?” balbuciei uma explicação “Eu acho…” e ela me interrompeu de novo “De dois anos pra cá todas as memórias que recuperei tem a ver com você, e não consigo parar de pensar em você a todo instante, por que isso?” fiquei em silêncio, olhei novamente para seu rosto, fiquei apreciando seus contornos, não a via a muitos anos, observei-a sério e perguntei “Por que de dois anos para cá?” ela fuçou na bolsa, pegou um caderno e colocou na mesa, empurrou para mim e disse “Encontrei isso, e quero que você me diga se tudo isso é verdade ou apenas uma viagem de algum tipo de droga, da época que eu morei com vocês”.
Olhei na capa do livro e estava escrito “Diário”, abri o livro e o folhei, nas primeiras páginas estava escrito “Danielle” e alguns corações escritos “D&R” dentro, na primeira página estava escrito “Olá diário, eu sou Danielle, antes era Daniel, mas sou mais feliz assim, hoje estou voltado para o Brasil, vou
para a casa da minha querida irmã Christiane, ela é tão linda, espero que o Alberto esteja lá com ela e que seja gentil do jeito que eu me lembro. Esse é o primeiro dia de minha nova vida”
Na próxima folha “Diário, o dia foi bom até agora, cheguei na casa da minha irmã, o Alberto veio me buscar no aeroporto, ele teve uma reação à minha aparência, ficou paralisado, tive medo de ele me repreender ou me hostilizar, mas ele foi super fofo, é exatamente como eu me lembro”
Na outra página “Odeio a Ana Paula ela é uma vaca, todos estavam me tratando bem só ela veio com esse papo de que eu tenho que ser o que eu nasci para ser, quem manda na minha vida sou eu, odeio ela de todo coração”, nessa página haviam pontos enrrugados e algumas letras estavam borradas, provavelmente lágrimas caíram nas páginas
Passei as páginas rápido e li “Diário, você nem vai acreditar, estou no quarto com o Beto (meu amor), em uma pousada no Rio de Janeiro, nem posso acreditar, ele fala para todo mundo que eu sou a esposa dele, estou amando, fizemos amor tão gostoso, estou
completamente apaixonada por ele, ele disse que me ama” mais abaixo uma anotação com caneta diferente e escrito de lado “Nota: Ele gosta de tatuagens, vou fazer uma águia igual ele gosta e vou colocar as letras dos nossos nomes junto” olhei para o busto de Danielle e entendi a tatuagem e as iniciais..
Danielle ainda séria, quase carrancuda puxou o diário de minha mão e folheou, colocou em uma página e eu pude ler um garrancho, a página estava colada, amassada e havia pingos de água, julguei que eram mais lágrimas
“Oi diário, terei que voltar para o Canadá por causa daqueles desgraçados que tentaram me estuprar, por que isso só acontece comigo? Por que eu tenho que sofrer pra sempre? Se eu tiver mesmo que voltar eu vou me atirar de uma ponte, não aguento mais, não quero ficar longe do Beto”
Danielle puxou uma fitinha que estava usando como marcador de página, abriu a página e eu vi que tinha uma marca de batom, um beijo em cima do texto e dizia “Hoje é Aniversario do meu amor, fizemos amor delicioso a casa estava cheia de pessoas,
ninguém nos viu, eu entrei dentro dele pela primeira vez amei, ele me disse que gostou também, vamos ser felizes para sempre”
Eu li e olhei novamente para ela, e ela me perguntou “Alguma coisa desse caderno é verdade? Algo disso já aconteceu ou era uma ilusão da minha cabeça?” eu olhei para o seu celular e disse devagar “Cada palavra desse caderno é verdade”, notei vários anéis em sua mão, pulseiras prateadas em seus pulsos, ela respirou fundo “Você realmente me amou um dia?” eu a olhei nos olhos e a reconheci, era a minha Dani, um pouco diferente, mas ela estava lá, bem no fundo, e eu disse “Não, eu não te amei” vi as lágrimas brotarem de seus olhos e continuei “Eu continuo te amando até agora, vou te amar para sempre” ela sorriu, e eu me lembrei de todos os sorrisos que ela havia me dado até aquele momento, e muitas rugas de preocupação sumiram de meu rosto, lembrei de cada vez que ela sorriu ou chorou e dessa vez as lágrimas brotaram do meu próprio rosto.
Abaixei a cabeça e olhei novamente para a mesa, estava derrotado, aquela vida não iria voltar, a pessoa que estava na minha frente era outra pessoa, era completamente
diferente da minha Dani, não adiantava eu me enganar, ela se levantou e parou do meu lado, pegou minha mão e me puxou para que eu levantasse, eu me levantei e a olhei, sentia as lágrimas escorrerem pelo meu rosto, ela pegou em meu queixo e levantou meu rosto, pegou o boné que eu havia pedido para Christiane lhe entregar e colocou na própria cabeça dizendo “Eu me lembro de você seu bobo, e eu te amo e é assim que eu me lembro” e me deu um beijo, do jeito como eu me lembrava, doce, suave, quente e angelical.
Seu celular caiu no chão com um baque surdo, ele quicou e rodou, bateu no pé da mesa e a musica recomeçou:
Children don’t stop dancing [Crianças não parem de dançar]
Believe you can fly [Acredite Você pode voar]
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